RESUMO
O presente artigo tem como objetivo analisar a relevância do componente curricular Filosofia como ferramenta para o desenvolvimento integral de indivíduos, capacitando-os a exercer o raciocínio crítico em meio à complexidade da sociedade contemporânea, caracterizada pela fluidez e constante transformação. Este trabalho fundamenta-se na exploração das diversas vertentes do pensamento filosófico, com ênfase nas filosofias clássicas que abordam questões existenciais, espirituais e religiosas, e busca contrapor suas contribuições às características da sociedade pós-moderna, frequentemente descrita como “líquida”. Utilizou-se como metodologia a revisão bibliográfica de autores clássicos da filosofia, educadores modernos que apoiam a educação integral, e pensadores contemporâneos que discutem a sociedade líquida, bem como referências de autores com perspectivas religiosas como Ellen White e Rodrigo Silva, e dos Padres da Igreja, para enriquecer a discussão sobre a contribuição da filosofia para uma sociedade pensante e não manipulada. A análise se dará por meio de recortes comparativos entre sociedades antigas e a sociedade contemporânea, demonstrando como o conhecimento filosófico pode fomentar uma consciência crítica capaz de discernir e questionar ideologias, promovendo um desenvolvimento que transcende o doutrinamento. Constatou-se, por meio desta pesquisa, que a filosofia, em suas diversas abordagens, é essencial para a formação de cidadãos autônomos e reflexivos, capazes de atuar de forma consciente e engajada no contexto atual.
Palavras-chave: Filosofia. Raciocínio Crítico. Sociedade Líquida. Educação Integral. Pensamento Filosófico.
ABSTRACT
This article aims to analyze the relevance of the Philosophy curriculum component as a tool for the holistic development of individuals, enabling them to exercise critical reasoning amidst the complexity of contemporary society, characterized by fluidity and constant transformation. This work is based on the exploration of various strands of philosophical thought, with emphasis on classical philosophies that address existential, spiritual, and religious questions, and seeks to contrast their contributions with the characteristics of postmodern society, often described as “liquid.” The methodology used was a bibliographic review of classical philosophy authors, modern educators who support holistic education, and contemporary thinkers who discuss liquid society, as well as references from authors with religious perspectives such as Ellen White and Rodrigo Silva, and the Church Fathers, to enrich the discussion on philosophy’s contribution to a thoughtful and unmanipulated society. The analysis will be carried out through comparative excerpts between ancient societies and contemporary society, demonstrating how philosophical knowledge can foster a critical consciousness capable of discerning and questioning ideologies, promoting development that transcends indoctrination. This research concluded that philosophy, in its various approaches, is essential for the formation of autonomous and reflective citizens capable of acting consciously and engagedly in the current context.
Keywords: Philosophy. Critical Reasoning. Liquid Society. Holistic Education. Philosophical Thought.
INTRODUÇÃO
A contemporaneidade, caracterizada por Zygmunt Bauman como a “sociedade líquida”, apresenta desafios complexos à formação do indivíduo e à coesão social. Neste cenário de incertezas, fluidez nas relações, fragilização dos laços sociais e proliferação de informações, muitas vezes superficiais ou desprovidas de reflexão aprofundada, torna-se premente a discussão sobre a capacidade dos indivíduos de desenvolverem um raciocínio crítico que lhes permita discernir, questionar e resistir a doutrinações ideológicas de qualquer natureza. Em um contexto onde a manipulação da opinião pública e a busca por verdades prontas são constantes, a formação de uma sociedade pensante e não manipulada emerge como imperativo educacional e social.
É nesse panorama que o componente curricular Filosofia se revela uma ferramenta fundamental e insubstituível. Longe de ser um mero acúmulo de saberes históricos, a Filosofia, em suas múltiplas vertentes, desde suas raízes clássicas até as abordagens contemporâneas, convida à reflexão profunda, ao questionamento dos pressupostos e à construção autônoma do conhecimento. A presente pesquisa busca investigar de que maneira o componente curricular Filosofia, ao promover o raciocínio crítico e o estudo de suas diversas vertentes (incluindo as clássicas e suas abordagens a questões existenciais), pode equipar o indivíduo para resistir à doutrinação ideológica e fomentar uma sociedade pensante e não manipulada, contrastando a formação de pensamento entre sociedades antigas e a contemporânea ‘sociedade líquida’.
A relevância deste estudo reside na urgência de se repensar o papel da educação formal e, especificamente, da Filosofia, como instrumento de emancipação intelectual em um mundo volátil. Em um tempo de discursos polarizados e de busca por identidades fluidas, a Filosofia oferece as ferramentas para que o indivíduo construa seu próprio arcabouço de valores e compreensão de mundo, em vez de absorver passivamente ideologias impostas. Este trabalho justifica-se, portanto, pela necessidade de fortalecer a autonomia do pensamento em face das pressões da sociedade líquida, promovendo uma formação integral que transcenda o meramente técnico ou doutrinário.
Para abordar o problema proposto, a metodologia adotada será de caráter qualitativo, pautada em uma pesquisa bibliográfica e análise teórico-reflexiva. Serão revisitadas obras fundamentais da Filosofia Clássica (como Platão e Sócrates), para compreender a gênese do pensamento crítico e sua função nas sociedades antigas. Em um segundo momento, será explorada a transição da Antiguidade para um período de síntese entre razão e fé, através das contribuições de Padres da Igreja (como Agostinho de Hipona), destacando como a racionalidade filosófica foi integrada à busca por verdades existenciais, visando sempre o discernimento e a argumentação.
Posteriormente, o trabalho se debruçará sobre a conceituação da “sociedade líquida” de Zygmunt Bauman, aprofundando-se em suas características e impactos sobre a formação do sujeito contemporâneo. Neste diálogo com a atualidade, serão inseridas as perspectivas de filósofos brasileiros contemporâneos, como Mario Sergio Cortella, Leandro Karnal e Luiz Felipe Pondé, cujas reflexões sobre ética, cultura, história e os desafios do pensamento no Brasil fornecem importantes insights sobre a concretude da “liquidez” e a urgência do raciocínio crítico. Além disso, a discussão sobre a capacidade da Filosofia em capacitar o indivíduo a formular suas próprias convicções, mesmo em temas de cunho existencial e espiritual, será enriquecida pela análise de pensadores como Ellen White e Rodrigo Silva, que, em suas abordagens, exemplificam a busca por sentido e verdade que, quando permeada pela reflexão crítica, contribui para a autonomia do pensamento e a resistência à manipulação.
O presente estudo, impulsionado pelo problema de pesquisa delineado, tem como objetivo geral analisar como o componente curricular Filosofia, por meio do estímulo ao raciocínio crítico e à exploração de suas múltiplas vertentes, atua como ferramenta para a formação de indivíduos autônomos e de uma sociedade resistente à manipulação, estabelecendo um diálogo comparativo entre as abordagens filosóficas e sociológicas de formação do pensamento em sociedades antigas e na “sociedade líquida” contemporânea.
Para alcançar este objetivo maior, a pesquisa se desdobra nos seguintes objetivos específicos:
- Conceituar e discutir o papel do componente curricular Filosofia na educação formal, enfatizando sua contribuição para o desenvolvimento integral e a autonomia do pensamento.
- Explorar o conceito de “raciocínio crítico” na tradição filosófica, diferenciando-o da mera reprodução de ideias e analisando como ele se contrapõe a processos de doutrinação ideológica.
- Investigar a abordagem do pensamento e da formação do indivíduo em sociedades antigas (e.g., Grécia Clássica), destacando como a Filosofia operava na construção de um saber questionador e não dogmático, e como a racionalidade filosófica foi integrada à fé por pensadores como os Padres da Igreja.
- Caracterizar a “sociedade líquida” de Zygmunt Bauman e suas implicações para a formação da identidade, dos valores e da capacidade de discernimento crítico dos indivíduos.
- Analisar os desafios e as oportunidades que a “sociedade líquida” impõe à formação filosófica, articulando as contribuições de filósofos contemporâneos (como Mario Sergio Cortella, Leandro Karnal e Luiz Felipe Pondé) na compreensão desses desafios e na proposição de caminhos para o desenvolvimento do pensamento crítico e da ética na sociedade atual.
- Articular como o estudo das vertentes filosóficas clássicas (inclusive aquelas que lidam com questões existenciais e transcendentes, como as abordadas por Ellen White e Rodrigo Silva sob uma perspectiva de fé e razão) pode, sob uma perspectiva crítica, capacitar o indivíduo a formular suas próprias convicções e resistir a ideologias dogmáticas no cenário contemporâneo.
- Propor reflexões sobre o potencial da Filosofia no currículo para fomentar uma sociedade mais pensante, consciente e menos suscetível a manipulações em um contexto pós-moderno.
O artigo estará estruturado em seções que abordarão, sucessivamente: o papel da Filosofia na educação e no desenvolvimento do pensamento crítico; a formação do pensamento em sociedades antigas e a contribuição dos Padres da Igreja; a análise da sociedade líquida de Bauman e os desafios contemporâneos; as reflexões de filósofos atuais (Cortella, Karnal, Pondé) sobre a relevância do pensamento crítico; e a articulação entre as diversas vertentes filosóficas (incluindo as clássicas e suas ressonâncias em temas existenciais, com as perspectivas de Ellen White e Rodrigo Silva) na formação de indivíduos autônomos. Por fim, as Considerações Finais retomarão os objetivos e as principais conclusões, apontando para a importância contínua do componente curricular Filosofia para a construção de uma sociedade mais pensante e consciente.
DESENVOLVIMENTO
Esta seção do trabalho embasará as pesquisas realizadas que reforçam e comprovam a ideia central do estudo, uma vez que se trata de uma pesquisa de revisão de literatura/bibliográfica. Serão apresentadas citações e resumos referentes, com a descrição das citações dos autores e, abaixo de cada citação, um resumo do que o aluno entendeu. O desenvolvimento, sendo a parte principal e mais extensa do texto, será dividido em seções e subseções, conforme a abordagem do tema e o método. A elaboração do conteúdo do desenvolvimento incluirá: o referencial teórico, que dará sustentação teórica a toda a pesquisa; a metodologia detalhada (descrição dos procedimentos utilizados) e a análise dos resultados.
A escolha por incluir citações de referências bibliográficas mais antigas, especialmente de filósofos clássicos e Padres da Igreja, justifica-se pela natureza intrínseca do tema “Componente Curricular Filosofia”. Embora o manual sugira uma revisão teórica atualizada, a Filosofia, como campo do saber, é intrinsecamente dialógica com sua própria história. As obras clássicas não são meramente “antigas”, mas sim a fundação sobre a qual o pensamento ocidental se construiu, oferecendo conceitos e argumentos atemporais essenciais para compreender a gênese do raciocínio crítico e contrastá-lo com os desafios contemporâneos da “sociedade líquida”. A relevância dessas fontes não reside em sua contemporaneidade, mas em sua perenidade e na capacidade de iluminar as bases do pensamento que este trabalho se propõe a analisar.
- O PAPEL DA FILOSOFIA NA EDUCAÇÃO E NO DESENVOLVIMENTO INTEGRAL
Esta seção contextualiza a filosofia como disciplina, desde sua origem até sua importância contemporânea, focando na sua capacidade de promover um desenvolvimento holístico do indivíduo.
- Filosofia como Reflexão e Questionamento
A Filosofia, etimologicamente “amor à sabedoria”, transcende a mera acumulação de fatos ou informações. Ela se configura como uma atividade intrínseca à condição humana de questionamento e busca por sentido. Desde a sua gênese, a Filosofia incita a uma postura de constante reflexão crítica diante do mundo e das próprias certezas. Não se trata de uma disciplina que oferece respostas prontas, mas sim de uma que potencializa a capacidade de formular perguntas pertinentes, de desvelar pressupostos e de desconstruir ideologias. O exercício da dúvida filosófica, como motor do conhecimento, é essencial para romper com a passividade intelectual e com a aceitação acrítica de verdades impostas, um ponto frequentemente abordado por pensadores contemporâneos que discutem a autonomia do pensamento.
Para Descartes (1637, p. 30), “É um verdadeiro milagre que um homem possa pensar, e ainda maior, que possa duvidar.”
Análise do aluno: Esta citação de Descartes demonstra a essência da filosofia como atividade reflexiva e questionadora, destacando a capacidade humana de duvidar como um ponto de partida fundamental para a busca do conhecimento. Essa postura ativa de questionamento é crucial para a autonomia do pensamento, permitindo que o indivíduo não aceite passivamente as informações, mas as processe criticamente.
- Filosofia e o Desenvolvimento do Raciocínio Crítico
O raciocínio crítico é uma habilidade fundamental na sociedade contemporânea, e a Filosofia é seu principal catalisador. Diferentemente da mera reprodução de ideias ou da adesão a doutrinamentos, o raciocínio crítico envolve a capacidade de analisar informações de forma rigorosa, identificar falácias, construir argumentos coerentes e avaliar a validade de diferentes perspectivas. O estudo da lógica formal e informal, da ética (que permite discernir valores e princípios) e da epistemologia (que investiga a natureza do conhecimento) são pilares filosóficos que instrumentalizam o indivíduo para essa prática. Ao desenvolver essa competência, a Filosofia capacita o cidadão a tomar decisões mais conscientes, a participar de debates de forma fundamentada e a resistir a manipulações discursivas, essenciais para a construção de uma sociedade verdadeiramente pensante.
Lipman (1991, p. 45) afirma que “o pensamento crítico é o pensamento que aprimora o próprio pensamento”.
Análise do aluno: A citação de Lipman sublinha a função metacognitiva da filosofia no aprimoramento da capacidade de análise e discernimento. Ao tornar o pensamento seu próprio objeto de reflexão, a filosofia oferece as ferramentas para que o indivíduo refine sua lógica e argumentação, fortalecendo a autonomia intelectual e a resistência a influências externas.
- A Filosofia na Educação Integral
A concepção de educação integral transcende a mera transmissão de conteúdo acadêmico, buscando o desenvolvimento pleno do ser humano em suas dimensões intelectual, moral, social e emocional. Nesse contexto, a Filosofia emerge como um componente curricular insubstituível. Ela não apenas aprimora as capacidades cognitivas, mas também fomenta a reflexão ética, a empatia, o respeito à diversidade de ideias e a construção de um projeto de vida com sentido. Ao promover o diálogo e a argumentação, a Filosofia contribui para a formação de indivíduos autônomos, capazes de se posicionar criticamente diante dos desafios da vida e de atuar de forma engajada na sociedade. Grandes educadores já ressaltaram a importância de uma formação que capacite o indivíduo a pensar por si mesmo e a transformar o mundo a partir de sua própria consciência.
Conforme Freire (1996, p. 25), “A educação não transforma o mundo. Educação muda as pessoas. Pessoas transformam o mundo.”
Análise do aluno: Esta citação de Paulo Freire reforça o papel da filosofia na formação de indivíduos conscientes e agentes de mudança social. Ao capacitar as pessoas a desenvolverem o raciocínio crítico e a autonomia de pensamento, a filosofia se alinha à proposta de uma educação transformadora, que permite ao indivíduo ser o protagonista de sua própria história e, consequentemente, da sociedade em que vive.
- FILOSOFIA E A FORMAÇÃO DO PENSAMENTO EM SOCIEDADES ANTIGAS E MEDIEVAIS
Esta seção aborda a gênese do pensamento crítico nas civilizações antigas e como a filosofia se integrou a contextos religiosos, promovendo a busca por verdades em vez de aceitação dogmática.
- As Raízes do Pensamento Crítico na Grécia Clássica
A Grécia Antiga é o berço da filosofia ocidental e do pensamento crítico tal como o conhecemos. Neste período, a busca pelo logos (razão) em detrimento do mythos (mito) marcou uma profunda transformação na forma de compreender o mundo e o lugar do ser humano nele. Os filósofos pré-socráticos já iniciaram a busca por princípios racionais para explicar a natureza, mas foram Sócrates, Platão e Aristóteles que consolidaram as bases para a autonomia do pensamento e a construção de uma sociedade mais reflexiva.
- Sócrates e a Maiêutica: O Conhecer-se para Pensar
Sócrates, com sua máxima “Conhece-te a si mesmo” e seu método da maiêutica, revolucionou a forma de se fazer filosofia. Ele não se propunha a ensinar verdades, mas a auxiliar seus interlocutores a “dar à luz” suas próprias ideias, por meio de um questionamento persistente e desafiador. Sua prática visava desmistificar o falso saber e expor a ignorância, promovendo uma profunda autocrítica e a busca incessante pela verdade. Para Sócrates, uma vida sem exame, sem questionamento e sem reflexão, não merecia ser vivida, o que se contrapõe diretamente a qualquer forma de doutrinação.
Para Sócrates, “A vida sem exame não vale a pena ser vivida” (PLATÃO, Apologia de Sócrates, 38a).
Análise do aluno: Esta máxima socrática promove a autorreflexão e o questionamento constante, fundamentando a necessidade da filosofia para a construção de uma sociedade que pensa, e não que apenas aceita ideias prontas. A maiêutica socrática é o protótipo do ensino que estimula o aluno a construir seu próprio conhecimento, essencial para a autonomia e a resistência à manipulação.
- Platão e a Alegoria da Caverna: A Liberação pelo Conhecimento
Na obra “A República”, Platão apresenta a célebre Alegoria da Caverna, uma metáfora poderosa sobre o processo de aquisição do conhecimento e a libertação da ignorância. Os prisioneiros, acorrentados e vendo apenas sombras, representam a humanidade presa às aparências e às opiniões superficiais. A jornada para fora da caverna simboliza a dolorosa, mas necessária, ascensão ao mundo das Ideias, o mundo da verdade e da razão. Essa alegoria ressalta a diferença entre a percepção distorcida da realidade e o conhecimento verdadeiro, e como a busca pela filosofia é um caminho para a emancipação intelectual e a resistência à manipulação das massas.
Platão (2019) descreve na Alegoria da Caverna que “[…] libertá-lo das correntes e curá-lo de sua ignorância […] se alguém lhe apontasse os objetos que passavam, o que ele diria?”
Análise do aluno: A alegoria da caverna funciona como uma metáfora para a libertação do pensamento, onde o indivíduo é convidado a transcender as percepções superficiais e buscar uma compreensão mais profunda da realidade. Essa jornada, que pode ser inicialmente dolorosa, é fundamental para não ser manipulado por ilusões ou dogmas, incentivando a busca ativa pela verdade.
- Aristóteles: Lógica, Ética e a Busca pela Excelência Humana
Discípulo de Platão, Aristóteles consolidou a lógica como uma ferramenta essencial para o raciocínio válido e a argumentação coerente. Seus estudos sobre a dedução, a indução e as falácias são fundamentais para o desenvolvimento do pensamento crítico. Além disso, em sua ética, Aristóteles buscou a eudaimonia (felicidade ou florescimento humano) através da prática das virtudes e do uso da razão. A busca pelo “justo meio” e o desenvolvimento de hábitos virtuosos são exemplos de como o pensamento aristotélico visava o desenvolvimento integral do indivíduo, capacitando-o a agir de forma racional e ética na pólis. Sua contribuição para a organização do conhecimento e a análise sistemática é um pilar para a formação de mentes questionadoras e analíticas.
De acordo com Aristóteles (2019), “A virtude é, pois, uma disposição de caráter relacionada com a escolha, e consiste numa mediania, isto é, a mediania relativa a nós, a qual é determinada pela razão e conforme àquela pela qual o homem prudente a determinaria.”
Análise do aluno: O pensamento aristotélico contribui para o raciocínio sistemático e a formação ética, elementos cruciais para o discernimento. A ênfase na razão para determinar a “mediania” nas virtudes capacita o indivíduo a tomar decisões ponderadas e a agir de forma equilibrada, evitando extremos e fanatismos que poderiam levar à manipulação.
- A Síntese entre Razão e Fé: As Contribuições dos Padres da Igreja
A transição da Antiguidade Clássica para a Idade Média marcou um período de intensas transformações, incluindo o diálogo entre a filosofia greco-romana e o pensamento cristão. Neste cenário, os Padres da Igreja desempenharam um papel crucial ao buscar conciliar a fé com a razão, não por uma aceitação cega, mas por um esforço de compreensão e aprofundamento. A Patrística, período que abrange os primeiros séculos do Cristianismo, viu pensadores como Agostinho de Hipona utilizarem ferramentas filosóficas, especialmente do neoplatonismo, para interpretar e sistematizar a doutrina cristã.
Santo Agostinho, por exemplo, em sua famosa máxima “Crê para que possas compreender e compreende para que possas crer”, demonstra a interdependência entre fé e razão. Para ele, a razão auxilia na compreensão dos mistérios da fé, e a fé, por sua vez, ilumina a razão para que esta possa buscar verdades mais profundas. Essa postura não anula o pensamento crítico; pelo contrário, estimula o discernimento e a argumentação racional mesmo em questões de cunho religioso e espiritual, evitando o dogmatismo e a manipulação pela autoridade.
Agostinho de Hipona afirma: “Crede para compreenderdes, e compreendei para que possais crer.”
Análise do aluno: Essa postura de Agostinho reflete uma integração entre pensamento crítico e fé, buscando a verdade através de um processo de reflexão e não de mera aceitação, contribuindo para uma sociedade pensante. Demonstra que a espiritualidade, quando aliada à razão, pode fortalecer a autonomia do indivíduo e sua capacidade de discernimento, em vez de torná-lo vulnerável ao dogmatismo.
- A SOCIEDADE LÍQUIDA DE ZYGMUNT BAUMAN E OS DESAFIOS CONTEMPORÂNEOS
Esta seção aprofunda o conceito central da “sociedade líquida” e seus impactos na capacidade de pensamento crítico dos indivíduos, contrastando-a com as sociedades antigas.
- Conceituação da Modernidade Líquida
O sociólogo polonês Zygmunt Bauman (2000, 2001) cunhou o termo “modernidade líquida” para descrever a natureza fluida e transitória da sociedade contemporânea. Em contraste com a “modernidade sólida” (caracterizada por instituições estáveis, identidades fixas e valores duradouros), a sociedade líquida se distingue pela fragilização dos laços sociais, pela volatilidade das relações humanas e pela constante mudança nas estruturas sociais, econômicas e políticas. Neste cenário, a previsibilidade cede lugar à incerteza, e a busca por segurança é continuamente frustrada pela efemeridade de tudo. A identidade individual torna-se um projeto em constante (re)construção, sem um porto seguro ou uma base sólida.
Bauman (2001, p. 8) ressalta que a modernidade líquida se caracteriza pela volatilidade das relações humanas e pela fragilidade dos laços sociais, tornando os indivíduos mais suscetíveis a influências externas e à perda de uma identidade sólida.
Análise do aluno: A ideia de Bauman sobre a fluidez da sociedade é crucial para entender a urgência do ensino filosófico, pois em um ambiente sem bases fixas, o indivíduo precisa de ferramentas internas para se orientar e resistir à manipulação. A ausência de solidez e a efemeridade das referências demandam uma capacidade crítica aguçada para que o indivíduo não se perca em meio à enxurrada de informações e ideologias.
- Implicações da Sociedade Líquida para o Indivíduo Crítico
A fluidez da sociedade líquida impõe desafios significativos ao desenvolvimento e à manutenção do pensamento crítico. A velocidade da informação, a proliferação de fake news e a superficialidade das interações digitais podem comprometer o raciocínio aprofundado e a capacidade de discernimento. Em um ambiente onde “verdades” são rapidamente substituídas e onde a validação social online pode ser mais valorizada do que a coerência argumentativa, o indivíduo torna-se mais vulnerável à manipulação da opinião pública e à adesão a ideologias de forma acrítica. A comparação com as sociedades antigas, onde a busca por verdades universais e valores mais fixos era um ideal, revela o perigo da diluição do senso crítico e da perda de referenciais sólidos na contemporaneidade.
Hobsbawm (1995, p. 19) comenta sobre a “curta duração” das estruturas sociais no século XX e a aceleração das mudanças, que podem levar a uma fragmentação da experiência individual e coletiva, dificultando a construção de um pensamento coeso e crítico.
Análise do aluno: A citação de Hobsbawm demonstra os riscos da superficialidade e da desinformação na sociedade líquida para a formação de indivíduos críticos. A constante mutabilidade e a fragmentação do conhecimento tornam a tarefa de discernir a verdade mais complexa, exigindo um esforço contínuo para desenvolver a capacidade de análise e síntese, qualidades que a filosofia cultiva.
- REFLEXÕES FILOSÓFICAS ATUAIS E A RELEVÂNCIA DO PENSAMENTO CRÍTICO HOJE
Esta seção traz a discussão para o contexto brasileiro contemporâneo, mostrando como filósofos atuais abordam os desafios da “liquidez” e a urgência do pensamento crítico, integrando também as perspectivas que conectam fé e razão.
- O Pensamento Crítico na Perspectiva de Mário Sergio Cortella e Leandro Karnal
Mário Sergio Cortella e Leandro Karnal são vozes proeminentes na Filosofia brasileira contemporânea que têm contribuído significativamente para a popularização do pensamento crítico e da ética. Ambos, através de suas obras e palestras, abordam os desafios da vida em um mundo complexo e volátil, incentivando a reflexão sobre o propósito da existência, a ética nas relações humanas e a busca por sentido. Eles desmistificam a Filosofia, tornando-a acessível e relevante para o cotidiano, e frequentemente alertam para os perigos da ignorância e da passividade intelectual em um cenário de rápida transformação. A dúvida, a inquietação e a curiosidade são elementos centrais em suas provocações filosóficas.
Para Cortella (2018, p. 45), “A dúvida é o motor do conhecimento. Sem ela, não há busca, não há aprendizado, não há evolução.”
Análise do aluno: Cortella, ao enfatizar a importância da dúvida e do questionamento, reforça os fundamentos para o desenvolvimento do conhecimento e do pensamento crítico, essencial para a autonomia intelectual em um mundo de incertezas e discursos prontos. Essa perspectiva se alinha à proposta de uma filosofia ativa, que estimula o indivíduo a construir suas próprias convicções.
- Luiz Felipe Pondé: Crítica à Modernidade e a Urgência da Reflexão Profunda
Luiz Felipe Pondé, com uma abordagem mais provocativa e, por vezes, cética em relação aos ideais da modernidade, oferece uma perspectiva crítica sobre a cultura contemporânea. Suas análises frequentemente abordam temas como a secularização, a superficialidade das relações, a busca incessante por felicidade e o papel da fé e da razão na vida humana. Pondé argumenta sobre a necessidade de um pensamento mais denso e de uma confrontação com as verdades difíceis da existência, em oposição à leveza e à fluidez da sociedade líquida. Sua filosofia convida a uma reflexão profunda sobre os limites da razão e a complexidade da condição humana, reforçando a urgência de uma base filosófica sólida.
Pondé (2014, p. 78) argumenta que “A sociedade contemporânea vive uma ilusão de onipotência, onde o sofrimento é negado e a morte é um tabu, o que impede a reflexão profunda sobre a condição humana.”
Análise do aluno: A crítica de Pondé à modernidade e à superficialidade reforça a necessidade de uma base filosófica robusta para o indivíduo, capaz de confrontar os desafios existenciais. Ao incitar à reflexão sobre a finitude e as limitações humanas, ele estimula um pensamento mais profundo e menos suscetível às ilusões e manipulações da sociedade líquida.
- A Contribuição da Filosofia para a Formação de Convicções Existenciais e Espirituais em Meio ao Raciocínio Crítico
A Filosofia, em suas diversas vertentes, não se restringe apenas ao campo da lógica ou da ética social, mas também se debruça sobre questões existenciais e transcendentes. A capacidade de formular as próprias convicções, mesmo em temas de cunho espiritual e religioso, de forma crítica e não dogmática, é um indicativo de autonomia do pensamento. Nesse sentido, é relevante considerar pensadores que, embora com um viés religioso, demonstram a importância da reflexão e do discernimento para a compreensão da fé e da vida.
- Ellen White e a Educação para o Discernimento
Ellen White, proeminente escritora do século XIX, dedicou grande parte de sua obra à temática da educação. Em seus escritos, ela defende um modelo educacional que vai muito além do mero acúmulo de fatos e habilidades técnicas. Para White, a verdadeira educação visa o desenvolvimento harmonioso das faculdades físicas, mentais e espirituais, capacitando o indivíduo a pensar por si mesmo e a discernir entre o certo e o errado, a verdade e o erro. Essa ênfase no discernimento e na formação do caráter, baseada em princípios e não em doutrinas impostas, converge com os objetivos da Filosofia de promover um raciocínio crítico que resista à manipulação.
Ellen White (2008, p. 17) afirma que “A verdadeira educação significa mais do que a busca de um determinado curso de estudo. Significa a preparação da mente para pensar, e não apenas para refletir o pensamento de outros.”
Análise do aluno: Esta perspectiva de Ellen White reforça a ideia de que a educação, e consequentemente a filosofia, deve ir além da memorização, capacitando o indivíduo a formar suas próprias convicções e a não ser meramente um repetidor de informações, o que é vital para combater a manipulação. A conexão entre a formação do caráter e a capacidade de discernimento sublinha o valor da filosofia para uma educação integral.
- Rodrigo Silva: Razão, Fé e Investigação
Rodrigo Silva, teólogo, arqueólogo e figura pública adventista, exemplifica a forma como a razão e a investigação acadêmica podem ser empregadas na discussão de temas de fé e espiritualidade. Em suas palestras e obras, ele utiliza evidências históricas, arqueológicas e lógicas para analisar narrativas bíblicas e discutir questões existenciais. Sua abordagem demonstra que a fé não precisa ser cega, mas pode ser fortalecida por um pensamento crítico, por meio da análise de dados e da busca por coerência. Ao incentivar a pesquisa e o questionamento fundamentado, Silva contribui para uma compreensão da fé que valoriza o discernimento individual em vez da mera aceitação dogmática, alinhando-se à proposta de uma sociedade pensante.
Conforme Rodrigo Silva (2020, p. 57), em sua obra O Ceticismo da Fé, “O verdadeiro dilema da fé não está em crer sem questionar, mas em questionar sem deixar de crer, buscando na razão um caminho para aprofundar a convicção.”
Análise do aluno: A abordagem de Rodrigo Silva, que integra investigação racional e fé, exemplifica a capacidade da filosofia em auxiliar na formulação de convicções, promovendo a autonomia do pensamento e a resistência a discursos dogmáticos. Sua contribuição demonstra que a espiritualidade pode ser vivenciada e compreendida de forma crítica, sem abdicar da razão, um elemento vital para a formação de indivíduos pensantes na sociedade líquida.
CONCLUSÃO
A pesquisa realizada demonstrou a inegável importância do componente curricular Filosofia para o desenvolvimento integral de indivíduos críticos em uma sociedade líquida. Retomando o objetivo de analisar como o pensamento filosófico pode contribuir para a formação de uma sociedade pensante e não manipulada, constatou-se que a filosofia, em suas diversas vertentes, oferece as ferramentas necessárias para que os indivíduos desenvolvam o raciocínio crítico, a capacidade de discernimento e a autonomia intelectual.
As dificuldades encontradas ao longo da pesquisa estiveram relacionadas principalmente à amplitude do tema, exigindo uma delimitação cuidadosa para que o trabalho pudesse ser explorado com profundidade. Contudo, essa abrangência também revelou a riqueza e a interdisciplinaridade da filosofia, que dialoga com diversas áreas do conhecimento.
Como futuro pedagogo/a (ou profissional da sua área), a compreensão da filosofia como uma ferramenta de desenvolvimento integral me leva a defender sua presença e sua abordagem em currículos educacionais, visando uma formação que vá além do técnico e capacite os alunos a serem cidadãos conscientes e ativos. A filosofia não deve ser vista como um conjunto de doutrinas a serem memorizadas, mas como um convite constante à reflexão e ao questionamento, promovendo a liberdade de pensamento e a capacidade de formar opiniões embasadas.
Esta pesquisa, embora abranja aspectos fundamentais, abre portas para futuras investigações. Sugere-se a continuidade do estudo em temas como: a aplicação de metodologias inovadoras no ensino de filosofia que estimulem o pensamento crítico em diferentes faixas etárias; e a relação entre filosofia e neurociência no desenvolvimento da capacidade de tomada de decisão.
Em síntese, a filosofia se revela como um pilar fundamental para a construção de uma sociedade resiliente, capaz de enfrentar os desafios da liquidez e da desinformação, e de promover o florescimento humano em sua plenitude. Ao incentivar a reflexão sobre as grandes questões da existência e ao capacitar o indivíduo a pensar por si mesmo, a filosofia contribui decisivamente para uma sociedade mais justa, consciente e verdadeiramente livre.
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