Igualdade de Gênero – Entrevistas

Este relatório reúne dez entrevistas com mulheres de diferentes idades e contextos sociais, abordando o tema da igualdade de gênero a partir de suas experiências pessoais, familiares e profissionais. As sete primeiras entrevistas foram realizadas em encontros marcados de forma individual em uma igreja evangélica e as três últimas em diferentes locais, de forma ilustrar suas visões sobre o papel da mulher na sociedade e os desafios enfrentados em suas trajetórias. As perguntas foram feitas de forma individual em conformidade com o contexto da conversa. As falas, refletem recortes reais de diferentes perspectivas presentes na comunidade.

Entrevista com J. – 42 anos – Representante comercial, com formação superior

1. Como você definiria “igualdade de gênero”?

J: Eu vejo como a luta para que homens e mulheres tenham o mesmo valor e respeito. É ter liberdade para fazer escolhas sem ser julgada ou controlada por ser mulher. Igualdade de gênero, pra mim, é autonomia, é respeito mútuo.

2. Na sua trajetória de vida, você sentiu que a igualdade de gênero foi respeitada?

J: Na maior parte do tempo, não. Casei aos 18 anos, muito nova, e foi um desastre. Ele era viciado em jogo, violento, cleptomaníaco, não trabalhava… eu sustentava a casa e ainda era agredida, tanto fisicamente quanto emocionalmente. Durou 3 anos. Depois disso, passei por outros relacionamentos complicados. O mais longo foi com um homem 25 anos mais velho, que vivia entre idas e vindas com a ex-esposa, além de outros casos. Também foi um relacionamento marcado por violência doméstica e psicológica. Ele acabou falecendo de AIDS a alguns anos.

3. Você acredita que essa repetição de relacionamentos difíceis tem ligação com desigualdade de gênero?

J: Sem dúvida. A maioria desses homens se sentia no direito de controlar, manipular, fazer o que quisesse comigo. Eu estudava, trabalhava, lutava pra ter uma vida estável — hoje atuo na área de representação comercial —, mas sempre era desvalorizada. Uma vez me envolvi com um rapaz bem mais novo, 22 anos mais jovem, achei que poderia ser diferente… mas foi outro casamento fracassado. Depois ainda tive um relacionamento com um gerente de uma grande rede de varejo, que era bem-sucedido financeiramente, mas emocionalmente distante, agressivo nas palavras. Nunca me senti realmente respeitada.

4. O que você acha que precisa mudar na sociedade para que haja igualdade de fato?

J: A educação tem que começar cedo, dentro de casa. Os meninos precisam aprender que mulher não é propriedade, que não existe essa de “mandar em casa”. As mulheres também precisam ser ensinadas a se valorizar, a não aceitar migalhas. E os homens têm que ser responsabilizados quando erram.

5. Hoje, como você vê o futuro no que diz respeito a relacionamentos?

J: Sinceramente? Eu não espero mais nenhum relacionamento sério. Não que eu tenha deixado de acreditar no amor, mas depois de tudo o que vivi, me sinto bem sozinha. Tenho minha carreira, minha liberdade, minha paz. E isso vale muito mais do que insistir em alguém que talvez vá me diminuir de novo.

Entrevista com L. – 67 anos – Dona de casa, escolaridade primária

1. O que significa, para a senhora, igualdade de gênero?

L: Eu entendo como o direito de mulher e homem serem tratados com o mesmo respeito, sem um achar que manda no outro só por ser homem. É cada um cumprir seu papel com amor, sem opressão.

2. A senhora acredita que viveu essa igualdade em sua vida de casada?

L:Não… Casei com 18 anos, depois que meu noivo faleceu num acidente. Conheci meu marido logo depois e foi tudo muito rápido. Ele sempre foi muito envolvido com a igreja, tornando-se obreiro voluntário na função de pastor, atuando como tal por muitos anos, mas mesmo assim… nunca fui tratada como igual. Sempre me senti inferior, como se minha opinião não importasse. Fui traída quando tinha por volta dos 50 anos, e desde então vivemos na mesma casa, mas cada um no seu canto. É um casamento só de fachada, sabe?

3. A senhora diria que sofreu abuso psicológico?

L: Sim. Durante muitos anos me senti humilhada em pequenas coisas… ele me tratava como alguém incapaz de pensar por si. Sempre mandando, corrigindo, me controlando, até na forma de me vestir ou falar. Tudo em nome da “ordem da casa” ou da “vontade de Deus”. Mas sei que muito disso era um machismo.

4. Qual o papel da igreja nesse contexto, na sua visão?

L: A igreja tem um lado bom, me trouxe paz em muitos momentos difíceis, mas também reforça ideias que, hoje, eu percebo que me prenderam num ambiente tóxico. Sempre se diz que a mulher deve ser submissa, que precisa manter o casamento “custe o que custar”. Isso impede muitas mulheres de sair de relacionamentos doentios. Mesmo assim, ainda acho que é melhor do que os ambientes “mundanos”, como dizem, onde vejo mais desrespeito ainda. A frustração é menor, pelo menos.

5. O que a senhora diria para mulheres mais jovens sobre casamento e igualdade?

L: Que não tenham pressa. Que conheçam bem a pessoa, que se valorizem. Que estudem, se fortaleçam como mulheres. Que não aceitem silêncio como paz, e nem submissão como amor. Casamento não é prisão. Se eu pudesse voltar, talvez fizesse muita coisa diferente.

Entrevista com M. – 58 anos – Alfabetizada, Sem profissão fixa

1. O que a senhora entende por igualdade de gênero?

M: Eu acho que muita gente fala de igualdade como se fosse um caminho fácil, mas pra mim, não é bem assim. Igualdade de gênero deveria ser respeito, mas o que vejo nos discursos é muita pressão pra mulher ser perfeita, independente, e às vezes isso gera confusão. Acho que cada um precisa saber a sua responsabilidade e aceitar que nem sempre a vida é justa.

2. Como foi sua vida familiar e afetiva até aqui? A senhora sentiu que houve igualdade?

M: Não, não senti. Nunca fui casada, vivi sozinha, tive vários relacionamentos, mas nada deu certo. Olhando pra trás, acho que muitas vezes eu mesma fiz escolhas erradas. Busquei soluções que hoje vejo que eram duvidosas, só me complicaram mais a vida. Acho que não dá pra jogar toda a culpa nos homens ou no sistema — a gente também tem que assumir nossa parte.

3. Como está sua vida hoje?

M: Hoje eu tento viver de um jeito mais simples, menos buscando respostas fáceis ou soluções que não funcionam. Um dos meus filhos está preso, vai cumprir uma pena longa. Isso dói demais, mas não adianta ficar só reclamando ou buscando culpados externos. Cada um tem que olhar pra si e aprender com os próprios erros.

4. A senhora acha que o discurso da igualdade ajuda as mulheres?

M: Acho que ajuda algumas, mas para muitas mulheres, o discurso acaba pressionando demais e fazendo com que a gente se cobre demais, se culpe demais. A busca por ser “igual” em tudo às vezes tira o foco do que realmente importa: saber conviver, respeitar limites, assumir responsabilidades. Pra mim, a igualdade tem que vir com maturidade e realismo, não só com discurso bonito.

5. A senhora ainda pensa em ter um novo relacionamento?

M: Não, não penso mais nisso. Hoje prefiro focar em mim, em viver de forma tranquila. Não espero por milagres nem mudanças mágicas. Acho que, no final, a gente tem que cuidar da própria vida, fazer o que dá pra fazer e aprender a lidar com as consequências das nossas escolhas.

6. Se pudesse dar um conselho para as mulheres que estão vivendo dificuldades nos relacionamentos, o que diria?

M: Eu diria que elas precisam olhar pra dentro, saber o que querem de verdade, e não só tentar agradar os outros ou seguir moda. Tem que pensar nas escolhas que fazem, e não ficar só esperando que o mundo mude pra elas. Cada uma é responsável pela própria vida, e às vezes a gente se enrola porque quer resolver tudo rápido demais, ou porque acredita em solução que parece fácil, mas não é. O mais importante é respeitar a si mesma, entender que errar faz parte, mas não se deixar levar por qualquer coisa só pra não ficar sozinha. A solidão pode doer, mas é melhor do que viver uma mentira ou sofrimento.

Entrevista com V. – 36 anos – Professora

1. Você poderia contar um pouco da sua trajetória pessoal e familiar?

V: Eu cresci num lar bastante rígido e violento. Meu pai me agredia com frequência e, aos 20 anos, vi o casamento como uma oportunidade de sair de casa. Então me casei, talvez cedo demais.

2. Como é o seu relacionamento com seu marido atualmente?

V: No começo, ele também foi agressivo. E eu sei que muita gente não entende quando digo isso, mas eu mesma, às vezes, provocava as situações. Não justifico a violência, claro, mas eu reconheço que alimentava os conflitos. Com o tempo, a gente foi encontrando um equilíbrio. Hoje, nosso relacionamento é estável, ele me trata bem e cuida de mim e do nosso filho. Não tenho do que reclamar agora.

3. Vocês têm alguma referência que ajudou nessa mudança?

V: Sim, a igreja teve um papel muito importante. A fé nos ajudou a sarar muitas feridas do passado. Acho que foi ali que a gente encontrou direção pra lidar com tudo isso.

4. Houve algum episódio marcante que você queira relatar?

V: Dois anos atrás, nossa casa foi invadida enquanto meu marido trabalhava. Eu e meu filho fomos amordaçados. Eram dois — um homem já mais velho e um adolescente. Fomos espancados, e eu… eu fui violentada. Foi a pior experiência da minha vida. A sensação de impotência, de medo. E saber que meu filho presenciou aquilo tudo… não tem como explicar.

5. Como você enxerga a forma como a sociedade lida com esses agressores?

V: O que mais me revolta é ver como esses criminosos são tratados. A sociedade e o sistema parecem sempre buscar justificativas para os atos deles, como se fossem vítimas. Mas e nós? E as mulheres que eles agridem, matam, violentam? Essas sim são as verdadeiras vítimas, mas ninguém fala da dor que fica. Parece que a justiça só enxerga um lado.

6. E sobre o debate da igualdade de gênero, como você se posiciona?

V: Eu acredito na força da mulher, mas também acho que a estrutura da família tradicional ainda é o melhor suporte que temos. Quando existe respeito e compromisso, ela pode proteger, ensinar e curar. É onde encontrei meu refúgio, apesar de tudo. Igualdade tem que vir junto com responsabilidade, dos dois lados.

Entrevista com A. – 46 anos – Cozinheira

1. A., você pode nos contar um pouco sobre sua trajetória pessoal e familiar?

A: Eu casei com 17 anos. Meu pai era muito agressivo e, pra falar a verdade, o casamento foi uma forma de escapar daquela vida. Foi tudo arranjado com um homem que eu mal conhecia, mas que precisava se casar pra ganhar um cargo mais alto na igreja dele. Não foi um relacionamento feliz, mas ele nunca me bateu. Só era frio, distante, desrespeitoso. Tivemos um filho juntos.

2. Quanto tempo durou esse casamento?

A: Dez anos. Quando acabou, eu entrei numa fase muito confusa. Tive alguns envolvimentos com homens casados, coisa que hoje me arrependo muito. Era uma mistura de carência, revolta e falta de direção. Mas isso passou.

3. E depois disso?

A: Depois eu conheci um rapaz mais jovem que queria ser pastor. A gente se apaixonou, mas teve muito julgamento. As pessoas diziam que ele tinha “se ajuntado” com a ex-mulher de outro, e isso atrapalhou o sonho dele de seguir com o ministério. Mesmo assim, formamos uma família. Tivemos mais dois filhos. E seguimos juntos até hoje.

4. A vida religiosa tem papel importante na sua história?

A: Muito. A fé e a igreja foram o que me ajudaram a me reencontrar. Não é que resolva tudo, mas me deu paz. Aprendi a lidar com as minhas escolhas, a perdoar os outros e a mim mesma. Foi onde encontrei direção pra não repetir os erros do passado.

5. E qual sua visão sobre o papel da mulher na sociedade hoje?

A: Eu acho que cada mulher tem uma história, né? Não tem fórmula. Mas vejo que muita dor vem de escolhas erradas, de falta de apoio e de uma sociedade que julga demais. Igualdade pra mim é respeito, e isso tem que vir de todos os lados. Às vezes, a gente se prende a ideias que só machucam. O que me deu força foi reconstruir minha vida com responsabilidade, fé e amor pelos meus filhos.

Entrevista com M. – 44 anos – Professora

1. M., você poderia nos contar um pouco sobre sua trajetória familiar?

M: Claro. Me casei aos 23 anos, seguindo tudo como eu aprendi na igreja. Foi um namoro sério, com respeito. E estou casada há 22 anos. Temos dois filhos adolescentes. Nunca houve agressão, nem desrespeito. É claro que enfrentamos dificuldades em nosso casamento, principalmente na área financeira, mas sempre com diálogo e companheirismo.

2. Como você descreveria seu relacionamento hoje?

M: Somos felizes. A convivência é tranquila, baseada no respeito mútuo. Criamos nossos filhos com valores firmes, priorizando a união da família. Somos parceiros em tudo, mesmo quando há discordâncias. E isso faz toda a diferença.

3. Você mencionou que seguiu os ensinamentos da igreja. Isso teve influência nas suas decisões?

M: Teve total influência. Desde o namoro, o casamento, até na criação dos nossos filhos. É uma base que nos orienta. Eu acredito que quando a gente tem princípios bem estabelecidos, os conflitos se resolvem com mais sabedoria.

4. E qual sua opinião sobre a igualdade de gênero?

M: Olha, sinceramente, vejo esse discurso como uma distorção. Uma ideia que tenta colocar homens e mulheres como se fossem rivais, quando na verdade são diferentes — e isso não é um problema. São papéis distintos, mas que se complementam dentro de uma família. Igualdade, pra mim, não é fazer tudo igual, mas ter o mesmo valor, cada um do seu jeito. Essa tentativa de nivelar tudo soa como uma distopia, porque ignora as diferenças naturais e os vínculos que nos sustentam.

5. Você sente que sua visão é respeitada hoje em dia?

M: Nem sempre. Parece que se você não concorda com a cartilha do momento, você é malvista. Mas eu prefiro viver aquilo em que acredito, e os frutos que colho na minha família são o maior testemunho disso.

Entrevista com T. – 62 anos – Cozinheira

1. T., você poderia nos contar um pouco sobre sua história de vida?

T: É uma longa história. Minha mãe morreu atropelada quando eu tinha 11 anos. É uma imagem que nunca saiu da minha cabeça. Eu era filha de sapateiro, de uma família grande — 11 irmãos. A gente vivia com muito pouco. Quando meu pai se casou de novo, no ano seguinte, tive muitos conflitos com minha madrasta. Foi bem difícil pra mim aceitar tudo aquilo.

2. E como você lidou com essa nova situação familiar?

T: Na época, tentei resolver me aproximando da fé dela. Me batizei na igreja que ela frequentava, achando que isso ajudaria. Mas não adiantou. As brigas e o desentendimento continuaram. Foi aí que resolvi fugir de casa. Passei por muitos lugares, morei com parentes, amigos e até com pessoas que não me fizeram bem.

3. Como foi esse período da sua juventude?

T: Muito complicado. Me envolvi com a prostituição, fiz escolhas ruins. Aos 15 anos, engravidei. Não tinha estrutura nenhuma. Mas mesmo assim, fui tentando me reerguer. Levei tempo pra me encontrar de novo como pessoa.

4. E como foi sua vida depois disso?

T: Aos 23 anos, me casei. Tive mais dois filhos. O casamento parecia bom no começo, mas meu marido tinha vícios — álcool, cigarro, e mais tarde outras drogas. Mesmo assim, tentávamos seguir. Quando decidi voltar pra igreja, ele se afastou de vez. Acabou nas ruas, em cidades grandes, e morreu há dois meses, vítima dos seus vícios. Foi muito triste, mas já era algo que vinha se desenhando há anos.

5. O que te ajudou a enfrentar tudo isso?

T: O apoio da igreja e do meu pai. A fé me deu direção. Com a ajuda certa, consegui manter a casa, educar meus filhos, trabalhar com dignidade. Hoje todos estão casados, bem encaminhados. Dou graças a Deus por isso. Foram muitos tombos, mas também muito aprendizado.

6. O que você diria para outras mulheres que enfrentam situações difíceis?

T: Que não se deixem levar por atalhos, nem por desespero. E que busquem apoio verdadeiro — não em promessas vazias, mas onde há valores e firmeza. A vida pode mudar, mesmo depois de muitos erros. Eu sou prova disso.

Entrevista com D. – 25 anos – Professor (curso superior)

1. Você pode contar um pouco sobre sua trajetória até aqui?

Resposta: Claro. Nasci biologicamente mulher, mas desde muito cedo não me identificava com esse gênero. Com o tempo, entendi melhor o que sentia e, já adulto, iniciei a transição de gênero. Hoje me identifico como homem trans e faço reposição hormonal.

2. Como foi esse processo em relação à sua família e à sociedade?

Resposta: Foi muito difícil. Minha família teve resistência no início, e na sociedade o preconceito é constante. As pessoas ainda não entendem, ou fingem não entender, e isso machuca muito. Tenho que me provar o tempo todo.

3. Você se envolve com movimentos sociais?

Resposta: Sim. Participo de alguns coletivos ligados aos direitos das mulheres e também de espaços feministas, onde há abertura para homens trans. A luta por igualdade de gênero sempre foi importante pra mim. O mundo sempre foi — e ainda é — machista. E isso afeta todos, principalmente quem foge das normas de gênero.

4. Qual sua visão sobre igualdade de gênero?

Resposta: Igualdade de gênero não é todo mundo ser igual, mas todo mundo ter o mesmo respeito, as mesmas oportunidades, os mesmos direitos. E isso ainda está longe de acontecer. A diferença que vivencio no meu dia a dia mostra isso claramente.

5. Como você se sente hoje?

Resposta: Me sinto mais inteiro do que nunca, apesar da dor. Sofro, sim, por causa do preconceito, mas não me arrependo. Lutar por quem a gente é de verdade tem um custo alto, mas é a única forma de viver com dignidade.

Entrevista com R. – 48 anos – Policial (curso superior)

1. R, você pode compartilhar um pouco da sua história pessoal e profissional?

Resposta: Sim. Sou policial há mais de 25 anos. Nasci biologicamente homem, fui casado por mais de uma década e tenho dois filhos. Mas sempre soube, no íntimo, que minha identidade era feminina. Depois de muito sofrimento e repressão, decidi me assumir como mulher e passar a viver de forma coerente com quem eu sou.

2. Como foi esse processo dentro da sua família?

Resposta: Muito doloroso. Perdi o vínculo com minha ex-esposa e, por um tempo, também com meus filhos. Eles não entenderam minha escolha. Na verdade, nem sempre eu mesmo compreendia, só sentia que estava sendo sufocada. Hoje, ainda há distância, mas tento manter algum contato. Perdi também o respeito de muitos que me conheciam. Mas encontrei força onde antes só havia medo.

3. E na sua profissão? Como foi se afirmar como mulher trans em uma corporação policial?

Resposta: Extremamente difícil. O ambiente é tradicional, hierárquico e majoritariamente masculino. Tive que lutar muito para ser respeitada, especialmente pelo direito de usar meu nome social. Não foram poucas as situações de constrangimento e violência simbólica. Mas resisti. E continuo resistindo.

4. Você se envolve em lutas sociais ou políticas?

Resposta: Sim. Faço parte de grupos de apoio à população trans e à comunidade LGBTQIA+. Participo de rodas de conversa, debates e também de eventos de formação dentro das forças de segurança, quando me convidam. Luto pelo básico: respeito e dignidade.

6. O que pensa sobre a ideia de igualdade de gênero?

Resposta: A igualdade só começa quando o direito de existir de todas as identidades é reconhecido. Não se trata apenas de homens e mulheres, mas de cada pessoa ter o direito de ser o que é, sem precisar se justificar ou se esconder. Ainda temos um caminho longo, mas não podemos parar.

Entrevista com G. – 29 anos – Diretora de escola (curso superior)

1. G, você poderia nos contar um pouco da sua trajetória até se tornar diretora de escola?

Resposta: Claro. Sempre fui muito dedicada aos estudos. Venho de uma família simples, mas tive apoio para seguir a carreira acadêmica. Me formei em Pedagogia e depois em Gestão Escolar. Com 27 anos, assumi a direção da escola onde trabalho até hoje. Foi um processo árduo, especialmente sendo uma mulher jovem em um cargo de liderança.

2. Você também atua como ativista. Pode nos contar mais sobre isso?

Resposta: Sim. Sou envolvida com movimentos feministas e de políticas públicas pela descriminalização das drogas. Acredito que muitas estruturas sociais precisam ser revistas, especialmente aquelas que criminalizam os corpos e as escolhas das mulheres, sobretudo das mulheres periféricas. Também atuo em projetos educativos com foco em equidade de gênero e direitos civis.

3. Qual é sua leitura sobre a influência da religião nas questões de gênero?

Resposta: A religião — principalmente a forma como a Bíblia é tradicionalmente interpretada — tem um papel significativo na manutenção de uma visão machista do mundo. A mulher, durante séculos, foi colocada em posição de submissão com base em preceitos religiosos. Acredito que é preciso reinterpretar esses textos sob uma ótica mais crítica, libertária e igualitária. Fé não deveria ser usada como instrumento de opressão.

4. Como a ideia de igualdade de gênero se expressa na sua atuação profissional?

Resposta: Dentro da escola, trabalhamos para desconstruir estereótipos e garantir que meninos e meninas tenham as mesmas oportunidades e liberdade para se expressar. Desde o currículo até a convivência diária, buscamos criar um ambiente mais justo e consciente. A igualdade de gênero, para mim, é uma base da cidadania.

5. Você acredita que a sociedade está avançando nessa pauta?

Resposta: Em partes, sim. Mas ainda enfrentamos muita resistência. O conservadorismo, o medo da mudança e os preconceitos enraizados dificultam os avanços. Mas o diálogo, a educação e a luta organizada são ferramentas poderosas. Eu acredito que estamos no caminho certo, ainda que lento.

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