Como fiel da Igreja Adventista do Sétimo Dia e, como ex-aluno da rede de educação adventista no ensino médio (Instituto Adventista Paranaense, no período de 1996 a 1998), sempre conheci a história oficial da educação adventista no Brasil como tendo iniciado em Curitiba, em 1896, no “Colégio Internacional de Curitiba”, fundado por Guilherme Stein Júnior, que também era o primeiro fiel adventista do sétimo dia batizado no Brasil.
O fato é que há controvérsias em relação a essa “história oficial”, pois, visitando a localidade de Gaspar Alto, no município de Gaspar, em Santa Catarina, encontramos a primeira igreja adventista organizada no Brasil e uma construção antiga de madeira onde há uma placa comemorativa que diz ali se haver iniciado a “obra educacional” adventista no Brasil. Essa inconsistência se soluciona rápido, ao verificar que o “Colégio Internacional de Curitiba” iniciou-se na própria residência do senhor Guilherme (Wilhelm) Stein Júnior, configurando-se, nos padrões da época, como propriedade particular dele, enquanto que, em Gaspar Alto, a escola é de fato paroquial, fazendo parte inclusive do edifício da igreja.
Ainda assim as controvérsias continuam. Há um grupo de pessoas que advogam o início da educação adventista no Brasil em Benedito Novo, também em Santa Catarina e alguns que pontuam que deverá ser contado a partir de Taquary, no Rio Grande do Sul ou Piracicaba, em São Paulo. O relato dessa controvérsia tem o objetivo único de contextualizar as conclusões e motivos que me levaram a essa pesquisa, ainda que incompleta.
A própria instituição onde estudei (na época designado com Instituto Adventista Paranaense e, atualmente, Faculdade Adventista Paranaense), sendo um colégio interno e faculdade localizada em Maringá, no Paraná, conta sua própria história como instituição como sendo fundada na área rural (localidade Butiá dos Colaços) de Rio Negro, no Paraná, em 1939. Sendo que depois foi transferida para Curitiba e finalmente para Maringá (1974) onde se encontra o campus atual. Ora, Rio Negro, no Paraná é cidade vizinha a Mafra, em Santa Catarina. Cidades estas em que os centros das duas são unidos por duas pontes sobre o rio Negro que é também divisa dos estados. Esse centro unido é normalmente designado como “Riomafra”, principalmente no que se refere as entidades comerciais dos dois municípios. Até 1917, ao final da Guerra do Contestado, os dois municípios formavam um único, Rio Negro, o qual incluía ainda outros municípios de Santa Catarina e do Paraná que foram desmembrados depois, em outros contextos.
Há alguns anos, não me recordo quando, houve uma comemoração de aniversário do Colégio Bom Jesus – São José de Rio Negro e, em uma reportagem em um jornal local, divulgou-se a informação de que um padre de nome também que não me recordo mais e cujas informações ainda estou buscando, enviou uma carta a sua congregação na Alemanha, em meados da década de 1890, solicitando recursos e apoio para a fundação de uma escola católica no município, sendo esse um marco para a fundação do referido colégio. Em sua carta, argumentava, conforme tradução realizada pelo periódico, que em Rio Negro (o qual incluía Mafra) haviam “uma escola secular, uma escola evangélica e uma escola adventista em funcionamento”, justificando a necessidade de implantação de uma escola católica. Se essa informação se confirma, podemos ter em Rio Negro ou Mafra uma das escolas adventistas mais antigas do Brasil. Eu me surpreendi com essa informação, pois como conhecedor da controvérsia descrita e, como extremamente curioso que sou, nunca havia ouvido falar de escolas adventistas em Mafra ou Rio Negro nessa fase inicial do adventismo no Brasil. Na época fiz várias perguntas na comunidade religiosa e fora dela, buscando descendentes desses pioneiros, entretanto, encontrei pouquíssimas informações.
Lendo, recentemente, o Projeto Político Pedagógico da Escola de Educação Básica Professora Maria Paula Feres encontro o nome do professor Johann Annies como fundador dessa escola em 1899. Eu já conhecia que essa escola “Deutsche Schule” – Escola Alemã do Vila Nova, seria depois designada Sociedade Escolar Vila Nova, Escola Masculina e Feminina, depois Escola Mista e, no futuro, Escolas Reunidas, contando-se como embrião da Escola de Educação Básica Professora Maria Paula Feres, no bairro Vila Nova e da Escola de Educação Fundamental Gustavo Friedrich, no bairro Restinga, também em Mafra e da rede estadual de Santa Catarina, sendo essa “Deutsche Schule” a primeira escola a funcionar em território do município de Mafra, mesmo anterior a sua fundação.
O nome Johann Annies me chamou a atenção por conhecer a familiaridade dos Annies com o pastor adventista Ilson Arlei Geissler, filho de um conhecido e idoso sapateiro da cidade, senhor Dorival Geissler, provavelmente neto do senhor Johann Annies, por via materna.
Há alguns anos, em uma palestra em que o pastor Ilson Geissler discorria sobre registros históricos com a temática “dízimos e ofertas”, o mesmo apresentou um “recorte” de uma “Revista Mensal” da primeira década do século XX, atual “Revista Adventista” em que aparecia esse nome como secretário da “escola sabatina” em Joinville. A escola sabatina é um departamento da Igreja Adventista do Sétimo Dia que atende seus fiéis com o estudo diário da Bíblia através de perguntas e respostas. Logo, pude concluir que se o senhor Johann Annies é o fundador da primeira escola no território do município de Mafra e era adventista, faz sentido que o padre justifique que essa escola era adventista ou tinha alguma ligação com tal denominação.
Recomecei minha pesquisa, algo de forma mais dirigida. Recebi informações úteis da senhora Evely Geissler, da professora Simone Schelbauer Moreira Paes, do senhor Ditmar Roberto Neumann e da senhora Arlete Grams Neumman. Há ainda outras pessoas que se mostraram dispostas a dar informações, mas ainda não tivemos a oportunidade de conversar. Pude verificar então, as seguintes informações: a família do senhor Johann Annies tem membros filiados a denominação Batista do Sétimo Dia, Adventistas do Sétimo Dia, Adventistas da Promessa e outras sabatistas. Em geral, os familiares descrevem que o senhor Johann Annies chegou ao Brasil como sabatista, e dito como fiel da Igreja Batista do Sétimo Dia já desde a Alemanha, tendo desembarcado em Joinville, veio depois morar em Rio Negro, mas em local onde hoje é Mafra. Aqui se associou com o professor Ernesto (Ernst) Lüdtke, avô da senhora Arlete Grams Neumann, o qual ministrava aulas em sua casa e fundou a “Deutsche Schule”. Ora, o senhor Ernesto Lüdtke é conhecido por ser pioneiro, juntamente a família Grams, entre os adventistas do sétimo dia da cidade. É desconhecido desses familiares a associação do senhor Johann Annies com a denominação propriamente adventista, uma vez que contam a história como sendo batista. O que me faz retornar a busca por tal recorte da revista adventista. De qualquer forma, temos então confirmação dos familiares de que o senhor Ernesto Lüdtke, após associar-se com o senhor Johann Annies atuou como professor na “Deutsche Schule” e mesmo dirigindo-a quando o senhor Johann Annies retornou para a Alemanha em 1907.
Verifica-se algumas inconsistências nesses relatos, tais como a família designar o senhor Johann Annies como batista, mas o possível recorte de revista que o identifica como adventista do sétimo dia, o seu retorno pra Alemanha, que também pode ser contado como um retorno para a cidade de Joinville, entre outros.
A existência dessa “sala de aula” na casa do senhor Ernesto Lüdtke pode muito bem se tratar da escola adventista referenciado pelo padre em sua missiva solicitando recursos para a escola católica e caracterizaria essa “escola” como anterior ou, pelo menos, contemporânea do “Colégio Internacional de Curitiba”, inclusive existe a informação de que os diretores da “Deutsche Schule” buscavam materiais, documentos e orientações de uma escola em Curitiba, que pode ser bem a escola do senhor Guilherme Stein Júnior.
A família acredita na hipótese de que essas pessoas criam no cenário apocalíptico em sua época e, justificado por uma profecia crida na época de um “decreto dominical”, disseminada entre os adventistas americanos (1888 a 1896). Depois no período da Guerra do Contestado, onde havia forte movimentação de fiéis católicos “caboclos” contra os alemães e outros europeus (ucranianos, poloneses, checos, etc) fizeram-nos acreditar que a “perseguição do fim do mundo” havia chegado e com isso destruíam documentos que os identificavam como adventistas ou com esses imigrantes. Em concomitância com isso há a Primeira Guerra Mundial, que, em solo brasileiro, contribuiu para a extinção das escolas em língua alemã e a consequente destruição dos documentos remanescentes. Em época bem posterior, no período da Segunda Guerra Mundial, há um esforço por apagar essa memória da colonização e da língua alemã, que até então estava presente nos nomes das ruas e no falar doméstico dessas pessoas, proibindo-se o uso da língua na região, o que incentivou o a destruição de qualquer registro histórico relacionado com esses pioneiros.
A pesquisa ainda está incompleta e, no momento apropriado deverei reescrever este artigo com conclusões finais, entretanto, desde já sugiro que a educação adventista conte sua história sem citar qual seja “a primeira escola adventista” em solo brasileiro, mas, sim, que houve um movimento por volta da última década do século XIX, no meio da população alemã adventista (ou sabatista) do sul do Brasil em criar escolas, aparentemente despreocupados com a formação de uma rede ou se pertencia a igreja (paroquial) ou a algum de seus membros. Isso aconteceu, podemos dizer com certeza, em Gaspar Alto, Benedito Novo, Mafra (Rio Negro), Curitiba, Taquary e provavelmente em Piracicaba e algumas outras comunidades, mesmo que não citadas. Ou seja, para a educação adventista, não muda muito a história, mas seria relevante pontuar que não houve uma única “primeira escola”, mas várias delas com particularidades bem semelhantes.
Em relação a educação no município de Mafra, é interessante pontuar o início dessa atividade escolar entre os sabatistas, fato que é pouco ou nada citado nas documentações. Boa parte dos alemães que imigraram para a região eram morávios ou batávios, região alemã com histórico bem antigo de guardadores do sábado, que, durante a idade média, desafiaram o catolicismo ou mesmo o protestantismo oficial dessas regiões, mantendo acesa essa característica de seu culto. Ao chegarem ao Brasil, logo tiveram contato com missionários adventistas oriundos da Alemanha que lhes forneceram literatura e uma forma de união comunitária na Igreja Adventista iniciante na região, formando comunidades mais fortes e unidas em um único ponto de fé. Todas as escolas citadas, tanto do meio adventista quando da cidade local, iniciaram suas atividades ensinando o alemão como língua principal e, somente depois, devido aos episódios políticos e de guerra, passaram a ensinar o português.
É interessante pontuar também que houveram imigrantes de outros locais de Europa (ucranianos, poloneses, austríacos, italianos) para a região e já havia colonização anterior (portugueses, caboclos, indígenas), entretanto, percebe-se um destaque para a iniciativa dos alemães na abertura de escolas, citando-se apenas as referenciadas pelo padre em sua justificativa: uma evangélica (no caso, luterana, que veio com os alemães), uma adventista, também entre os alemães e a sua preocupação em abrir uma escola católica, porém, por iniciativa de sua congregação “alemã”.
Referências Bibliográficas:
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