A Bênção ou um prato de lentilhas? – Gênesis 25

Nos tempos patriarcais, a primogenitura foi a forma encontrada de permitir que a herança religiosa perpetuasse. O primogênito era educado e treinado para ser o provedor do clã, tanto em questões materiais quanto espirituais. Era o equivalente a um reinado-sacerdócio, a perpetuação da verdade e da ordem, de forma oral. De tempos em tempos os clãs se rompiam, surgindo novas famílias, normalmente misturando o conhecimento original, dado pelos pais com outros da cultura popular.

Assim, o primogênito tinha o dever de buscar a verdade, a coerência, a justiça e a Deus acima dos seus próprios desejos e necessidades. Tinha que olhar pelo grupo, pela família. Não apenas para si mesmo.
Esaú foi o primogênito de Isaque. Mesmo que apenas alguns minutos mais velho do que Jacó. Eram gêmeos. Mas a cultura ditava que o primeiro que nascesse era o herdeiro, o primogênito.
Esaú foi ensinado por seu pai Isaque, o mesmo patriarca que passara pela experiência da fé, oferecendo-se como um sacrifício vivo diante de Deus. Aprendeu a ser forte, ao trabalho árduo, a dura vida de um caçador. Podia prover a família mesmo em tempos de dificuldades materiais.
Mas não dera muita importância a herança religiosa. Considerava um fardo ter que seguir ritos e guardar e repetir promessas que não veria sendo cumpridas. Nos seus planos estava se tornar influente pela força, estabelecer fixamente em alguma região fértil e rica, formar uma milícia e estabelecer um reinado promissor. Coisas que acabou executando, como é dito: “E Esaú tomou suas mulheres, e seus filhos, e suas filhas, e todas as almas de sua casa, e seu gado, e todos os seus animais, e todos os seus bens, que havia adquirido na terra de Canaã; e foi para outra terra apartando-se de Jacó, seu irmão; Porque os bens deles eram muitos para habitarem juntos; e a terra de suas peregrinações não os podia sustentar por causa do seu gado. Portanto Esaú habitou na montanha de Seir; Esaú é Edom (…)E estes são os reis que reinaram na terra de Edom, antes que reinasse rei algum sobre os filhos de Israel. Reinou, pois, em Edom Bela, filho de Beor, e o nome da sua cidade foi Dinabá. (…segue uma extensa lista de reis e príncipes…) … estes são os príncipes de Edom, segundo as suas habitações, na terra da sua possessão. Este é Esaú, pai de Edom.” (Gênesis 36:6-8, 31,32, 43, RCF)
Jacó sabia não ser o herdeiro da primogenitura, e como tal deveria submeter-se ao superior, que seria o novo patriarca. Não tinha tanta importância para ele as posses materiais decorrentes da primogenitura. Como segundo filho passou mais tempo com sua mãe, a qual no seu colo lhe ensinara não política, nem prosperidade financeira, mas incutiu nele um desejo sincero de servir a Deus, ao Deus de seu pai, de Abraão e dos patriarcas, de uma forma que Esaú nunca compreenderia.
Deus já havia revelado a Rebeca, a mãe, que Jacó seria o herdeiro da promessa. Não que Deus houvesse rejeitado a Esaú, mas pelo ensino dado a ele por seu pai, pelo envolvimento com questões políticas de seu clã, pelo desejo de supremacia acariciado em seu coração, não estaria apto a lidar com as questões espirituais, enquanto na simplicidade da tenda de sua mãe, Jacó estivera mais propenso a anelar paz e salvação do que bençãos terrestres. Jacó se fizera novamente peregrino, forasteiro, anelando uma Pátria superior e eterna.
Em um dia de caçada, Esaú chega em casa frustrado, sem ter conseguido nada. Estava fraco e alquebrado. Naquele momento a derrota de voltar para casa de mãos vazias demonstraram o real desejo do seu coração: o egoísmo. Não importava-se com as bençãos futuras. Importava-se com o presente, com suas necessidades materiais, com seus próprios desejos e sentimentos. Jacó logo viu uma oportunidade de aproveitar-se da situação. Mesmo com um propósito digno, utilizou de um meio indigno e enganoso para usurpar o direito a benção sacerdotal do seu irmão. Propôs lhe uma troca bastante inócua: o direito de primogenitura por um prato de guisado de lentilhas! “Jacó havia feito um guisado, quando Esaú chegou do campo, muito cansado; e disse Esaú a Jacó: Deixa-me, peço-te, comer desse guisado vermelho, porque estou muito cansado. Por isso se chamou Edom. Respondeu Jacó: Vende-me primeiro o teu direito de primogenitura. Então replicou Esaú: Eis que estou a ponto e morrer; logo, para que me servirá o direito de primogenitura? Ao que disse Jacó: Jura-me primeiro. Jurou-lhe, pois; e vendeu o seu direito de primogenitura a Jacó. Jacó deu a Esaú pão e o guisado e lentilhas; e ele comeu e bebeu; e, levantando-se, seguiu seu caminho. Assim desprezou Esaú o seu direito de primogenitura. (Gênesis 25:29-34, AR)
A forma que Jacó encontrou para se fazer herdeiro da promessa não foi digna de um patriarca e as consequências no futuro o trarão muita dificuldade e amargura. Poderia ter entregue suas vida nas mãos de Deus e a Providência Divina se encarregaria de faze-lo herdeiro da promessa.  Não compreendera ainda que a comunhão com Deus era mais preciosa do que um direito baseado na cultura humana.
Quantas vezes temos posto nossas pequenas necessidades materiais acima das reais necessidades de nossa alma? Não temos, será, rejeitado toda nossa herança divina, em troca de um irrisório prato de lentilhas?
Que tal avaliar se as coisas em que estamos colocando nossos desejos e ambições correspondem ao que pode nos dar dignidade e fé?
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